Não digo porque tivesse uma aura específica de inababilidade ou ares de nirvana. Digo porque quando desceram os extraterrestres em plena praça Artur Bernardes, fazendo com que nos trancássemos por uma semana dentro de nossas casas, ele foi recebê-los cheio de braços e lábios. Agora que penso, não poderia ter sido uma recepção melhor para eles, já que alguns tinham de fato vários braços e lábios. Alguns tinham mesmo tentáculos e eu poderia jurar que um deles parecia derreter entre às 8h e 10h. Tinha outro que parecia o Fernandinho da mercearia.
Assim que chegaram subiu no ar um burburinho que longo envolveu a cidade numa rede de sons que nunca havíamos escutado, produzidos por seus aparelhos vocais extraterrestres. Armaram tendas e barracas, fizeram amizade com nosso sol e lua e cantaram canções sobre os seus próprios satélites naturais. E os cães, que à princípio os estranharam, acompanhavam seus instrumentos supersônicos às latidas e uivos. Seus corpos se entrelaçavam numa profusão de cores e gemidos. Havia um azul com ventosas que se esfregou por três dias na janela de madeira do quarto de hóspedes que dá de frente para a rua produzindo ruídos sobrenaturais.
Ao fim de uma semana recolheram suas coisas, e partiram em seus discos voadores. Quando tomamos coragem para sair de nossas casas o sujeito logo nos disse que ia tudo bem, em verdade, acabara de começar uma outra era de amor em uma galáxia vizinha e que devia partir já. Correu a estrada. Logo percebemos que a imensa população de cães da cidade havia se reduzido pela metade e há relatos de cães com três olhos lunares. O Fernandinho, nunca mais o vimos.