Rabiscando Vida

Leialti minimalista.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

tres ojos lunares

Veio correndo a estrada. Cabelos e barba dos anos 70. Ficou aqui por algum tempo, esperando nada acontecer, foi o que disse quando lhe perguntaram o que fazia. Era amigo do sol e da lua, preferia ficar cantando com eles a encerrar-se entre nossas paredes. Acho bem provável que a encerrar-se preferisse também a chuva, a neve, um furacão ou mesmo o fogo dos céus.
Não digo porque tivesse uma aura específica de inababilidade ou ares de nirvana. Digo porque quando desceram os extraterrestres em plena praça Artur Bernardes, fazendo com que nos trancássemos por uma semana dentro de nossas casas, ele foi recebê-los cheio de braços e lábios. Agora que penso, não poderia ter sido uma recepção melhor para eles, já que alguns tinham de fato vários braços e lábios. Alguns tinham mesmo tentáculos e eu poderia jurar que um deles parecia derreter entre às 8h e 10h. Tinha outro que parecia o Fernandinho da mercearia.
Assim que chegaram subiu no ar um burburinho que longo envolveu a cidade numa rede de sons que nunca havíamos escutado, produzidos por seus aparelhos vocais extraterrestres. Armaram tendas e barracas, fizeram amizade com nosso sol e lua e cantaram canções sobre os seus próprios satélites naturais. E os cães, que à princípio os estranharam, acompanhavam seus instrumentos supersônicos às latidas e uivos. Seus corpos se entrelaçavam numa profusão de cores e gemidos. Havia um azul com ventosas que se esfregou por três dias na janela de madeira do quarto de hóspedes que dá de frente para a rua produzindo ruídos sobrenaturais.
Ao fim de uma semana recolheram suas coisas, e partiram em seus discos voadores. Quando tomamos coragem para sair de nossas casas o sujeito logo nos disse que ia tudo bem, em verdade, acabara de começar uma outra era de amor em uma galáxia vizinha e que devia partir já. Correu a estrada. Logo percebemos que a imensa população de cães da cidade havia se reduzido pela metade e há relatos de cães com três olhos lunares. O Fernandinho, nunca mais o vimos.

domingo, 15 de novembro de 2009

Registro do não-sentido

Hoje acordei em uma casa que não era minha, mas que poderia ser, de tão confortável, e lá ouvi que qualquer tentativa de entender a vida é fracassada por princípio e desencadeia desejos suicidas. Agora estou vendo se cresci desde a última vez que digitei umas letras por aqui, de cuecas, bebendo água tônica num copo do Bob Esponja, alternando os sons de Andrew Bird e Joanna Newsom e usando o brinco de uma garota morta, suicidada à moda de extermínio judeu nos campos de concentração, sabe-se lá se por tentar entender ou não. Entre os passos de uma casa para outra, da que acordei e da garota morta e da minha, vi vida: pessoas encontrando conhecidos em filas de supermercado e na Praça da Estação várias pessoas desconhecidas de mim e de si juntas sob a sombra de uma única árvore enquanto nas fontes crianças despudoradas corriam com pouca roupa e fotógrafos registradores mas não muito atentos deixaram escapar do registro um menino que como peixe pescado secava as costas no sol quente e a barriga no chão quente de sol uns velhos jogavam baralho sobre uma folha de papelão mendigos deitados outros sentados sorriam com bocas desdentadas e uma mulher em pé de óculos escuro e aro colorido acompanhada de um homem sentado em um hidrante e um cachorro ambos sem óculos de aro colorido e de colorida peruca um homem anunciando em um microfone uma criança encontrada num labirinto de eletrodomésticos do Ricardão e do outro lado da rua uma criança também de óculos de aro colorido também escuro atravessava acompanhada de gente grande e um homem peludo escolhendo músicas no jukebox do bar sujo onde peguei uma caneta azul emprestada para fazer o texto verde que estou maturando aqui a música começou aumente o volume tantas decepções eu já vivi pedi à moça que você me adora que me acha foda duas cervejas pretas e escolhi umas músicas enquanto esperava.

Pensei em tudo que vi e na condição humana, demasiadamente humana, de estar só tropeçando no escuro e rabiscando vida, que é melhor que sonhar. Viver é melhor que sonhar, cantou o homem do meu lado.

No caminho para casa, no metrô, uma mulher espremia cravos no nariz de um homem.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Visitantes desconhecidos.

Fico tão intrigado quando um deles comenta.
A bem da verdade, fico bem intrigado com gente vindo parar aqui vindo das vastidões internéticas.


Oi, Mariana, tudo beeeéim?
Quantos anos é que você teeeéim?
De onde é que você falaaaaa?
Será que você voltaaaa?

terça-feira, 5 de maio de 2009

Da musa que não inspira

Nos que tais de dias mais ingênuos (e mais felizes), escrevi eu qualquer coisa sobre musas inspiradoras que dormem quando lhes é conveniente, algo de concedido por uma noite, mera vontade de escrever, algum pouco conhecimento geral sobre cultura grega e uma amiga de muitos sorrisos e muito sono.

Idos os tempos, a amiga e um pouco da ingenuidade volto para me desculpar por algumas apropriações indevidas a todas as partes que possam ter se ofendido, a Calíope, suas irmãs, um velho amor e um pedaço de mim. As musas não estão relacionadas a inspiração, mas a memória. O eu de hoje não mais cobraria da musa aquilo que era dever da noite (a essa não preciso me desculpar, pois volta sempre), talvez pedisse a ela um pouco das idéias e acontecimentos partilhados durante o dia, que me recontasse-os para que eu pudesse, depois do esquecimento, recontá-los valendo-me mais de verossimilhança, do milhão de coisas que há de mais interesse que a verdade, esta é gratuita e ao alcance de todos, a recordação só aos que dormem ao lado da musa.

A noite está lá fora e sei que volta amanhã, os sorrisos quisera eu...

sexta-feira, 20 de março de 2009

Onda

À meia dúzia de almas perdidas que batem as portas desse local abandonado e todas as outras que aqui chegarem por engano ou outro motivo venturoso: corram até a livraria mais próxima e procurem por um livro chamado Onda de autora coreana Suzy Lee, se vocês tem qualquer dúvida sobre os motivos de terem vindo a este mundo adianto que foi para ter a oportunidade de apreciar esse livro.

A Onda tem uma coisa bacana, ela te puxa para frente e impele para trás, e num movimento súbito, enquanto você ainda não se decidiu pela imensidão a frente ou explorar um pouco mais a informação recente de trocar a areia pelo mar, ela te engole.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

De como se comia melhor no passado

Não importa se ingeriam índices altíssimos de gordura trans, os filhos da classe média de 80 e 90 comiam bem melhor do que se come hoje. Bastava pedir ao pai, tia ou avó uma moeda, duas, no máximo, para ir à padaria comprar um pacote de biscoito, não um desses com gosto de açúcar esfarinhado, comprava-se um Passatempo.

Comer um Passatempo não era apenas comer, era um ritual composto por várias etapas. Separava-se o recheio do biscoito metodicamente, alguns adpetos alternavam entre entre biscoito e recheio, outros juntavam todo o recheio em uma bola monstruosa. Comer uma das partes na ordem errada era suficiente para dessacralizar todo um pacote.

Com o Kinder Ovo não era diferente, em pouco mais de uma semana conseguia-se completar a coleção, com exceção de um ou dois modelos que só saiam depois que você já tinha pelo menos cinco de cada um dos outros. Hoje as crianças têm que juntar dinheiro por uma semana para comprar um Kinder Ovo.

As primas também eram bem mais acessíveis, todos os domingos a família se reunia na casa dos avós para almoçar e nos fartávamos do peito e do lombo das primas mais desenvolvidas. A marcinha era a minha preferida, no início da puberdade, e, assim como passatempo, comer a Marcinha era um ritual, tinha que fazer as coisas na ordem certa, e, enquanto tudo acontecia, um primo vigiava se tias ou avós se aproximavam. Tirar uma peça de roupa na ordem errada poderia arruinar tudo. Mas a Marcinha foi ficando desinteressante e não faz mais falta, seria como fazer o ritual do Passatempo com um desses genéricos, não faria sentido e não faz falta. Mas o Kinder Ovo, ah! O Kinder Ovo é inadmissível!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Tirando as teias de aranha

Pois bem, eu tenho um texto para postar aqui, mas recuso-me terminantemente a fazê-lo sem antes escrevê-lo a tinta no caderninho comprado para tal fim.

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