Leialti minimalista.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Arte pela arte.

- Manda essas...
- Boa noite, senhor. - interrompeu o porteiro com um ar extremamente desagradável. A verdade é que o hábito de cumprimentar as pessoas com um bom dia, tarde ou noite se perdeu desde que o homem percebeu que se tivesse que retirar o chapéu para cada mulher que passasse, ele teria um braço muito mais forte que o outro, a menos que revezasse. Também é um fato que ser porteiro é um trabalho ingrato, longo e mal pago, não era de se esperar que ele fosse gentil.
- Ã, boa noite, eu queria mandar essas almofadas pro 1922.
- Por quê?
- Oi?
- Por que você quer mandar as almofadas?
- Eu não tô entendendo...
- Senhor, se você vai mandar as almofadas você precisa de um propósito.
- Propósito? Ué, são almofadas, elas vão ficar lá...
- Nada disso, senhor, não podem só estar lá. Deixa eu ver essas almofadas aí, senhor. - E então foram entregues as almofadas listradas, branco e preto e branco e preto. O porteiro as observou com algum cuidado. - O que significam as listras, senhor?
- Não significam nada, pelo amor de Deus, são só almofadas!
Não ocorreu em nenhum momento ao homem improvisar, não seria difícil. Ele poderia dizer, por exemplo, que as almofadas eram o contrapeso da cadeira dura do escritório, uma antítese, poderia dizer que as listras contrastantes representavam a eterna dualidade do homem, ele poderia dizer que elas iam combinar com as paredes, eram pretas e brancas, afinal, dizem que preto e branco combinam com todas as cores.
- Senhor, eu vou repetir mais uma vez, as almofadas só sobem se tiverem um propósito.
- Porra, cê só pode tá brincando comigo... como é que eu falo com o seu patrão?
- As ordens são do inquilino, senhor, se eu mandar e ele reclamar com o patrão posso até perder o emprego.
- Do inqu... puta que pariu, chama o Quintana aí.
- Posso saber o motivo?
- Já falei, porra, chama logo o Quintana!
Eis que nesse momento entra um homem na recepção do prédio.
- Opa, Olavo, que coincidência, só resolver uma coisa aqui... e as almofadas, trouxe?
- Trazer eu trouxe, mas esse porteiro malu...
- Seu Andrade, chegaram aí uns papéis pra mim?
- Não, senhor Quintana, chegou papel nenhum aqui não, mais esse senhor aí trouxe umas almofadas que eu não deixei subir não.
- Pode liberar, seu Andrade, as almofadas vão combinar com a parede e os papéis são do abaixo a arte pela arte, tudo fora de métrica, os versos não são rimados, tudo dentro dos conformes.
- Tá certo, seu Quintana.
- Então, Olavo, quer tomar um café?
- Hum, vou aceitar sim, Quintana
- Tá certo... e qual é o propósito desse café?
- Oi?

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