Leialti minimalista.

sábado, 17 de maio de 2008

Fim do mundo.

Como é viver quando se sabe exatamente quando o mundo vai acabar? Não passa de uma semana, é isso, quinta-feira. Isso não é nenhuma baboseira sobre Nostradamus, o fim do calendário do maia ou a demolição da Terra para a construção de uma via inter-galáctica. Isso é sobre o fim do mundo saindo da boca de um sujeito vestido de branco em uma sala branca cheia de aparelhos, provavelmente brancos, que apitam, e que, se eu pudesse, teria arremessado todos, um por um ou todos de uma só vez, não importa realmente, teria arremessado todos em qualquer lugar que fosse, contanto que eles parassem com o maldito barulho. Isso, é claro, incluindo o sujeito de branco. Principalmente o sujeito de branco. É assim, você passa a vida inteira sentindo-se extremamente desconfortável no silêncio, então você a preenche falando qualquer asneira que vier a sua mente, porque nada pode ser pior do que o silêncio de olhos que gritam, como quando você conta aos seus pais que está grávida ou que experimentou drogas. Como o silêncio dele, quase o tempo todo. Eu odiava sentir o peso daqueles olhos e eu não precisava vê-los para saber que estavam voltados para mim, por isso sempre o instiguei a falar, o tocava o tempo todo para chamar sua atenção. E quando fazíamos sexo, eu o instigava a falar. Aquilo o desconcertava, mas eu te amo atravessava numa rajada úmida meus ouvidos, eu te amo massageava meus seios, eu te amo molhava meus seios, ora como uma garoa, ora como uma tempestade, eu te amo me penetrava. Eventualmente começamos a tentar coisas novas, yo te amo esquentava minha boca, ich liebe dich parecia querer me rasgar no meio, I love you, kocham was, pourquoi, sentire appena, baka. Eu só queria ouvir a voz dele antes que tudo acabasse. Eu estava próxima do fim quando senti o toque dele, eu sabia que era ele, tinha certeza, eu reconhecia aquela sensação, me lembrei vagamente de todas as vezes em que entrei em sua casa e foi todo o tempo que tive até que eu sentisse seu toque desaparecer e depois os passos. Embora ele tenha ido embora, eu continuei segurando a sua mão da mesma forma que eu sempre fazia pedindo por sua voz. Me segurei a ela como se o mundo dependesse disso, e dependia.

Tudo ficou branco, não foi de repente, foi aos poucos, mas cada vez mais branco. Enfim foi tomando forma, alguns brancos apitavam, outros falavam sem parar, outros brancos apenas estavam lá, me cercando por toda a eternidade, e, de algum forma, esse foram os brancos que me pareceram mais familiares. Era quinta-feira, havia exatamente sete dias desde que eu sofrera o acidente e o mundo não havia acabado. Eu precisava ouvir a voz dele, de que vale um mundo de silêncio? Quando cheguei à casa dele, cumprimentei sua mãe, como de costume, havia algo de incrível semelhança entre os dois, mas eu nunca soube realmente o que era e não havia tempo para isso agora, não antes de ouvir a voz dele. Não havia tempo para tentar entender porque havia tantas coisas encaixotadas no quarto dele, não havia tempo para pensar sobre o motivo pelo qual a mãe dele me seguiu até o quarto e ficou parada, olhos urrando me fitando. Ela me entregou uma capa de CD, no encarte uma mão segurava uma casquinha de sorvete com uma bola: o planeta Terra, derretendo. Ele desenhava bem, tinha boas mãos. Coloquei o cd no som, uma das poucas coisas não encaixotadas.

Sua voz ecoou pelo quarto: Como é nunca ter vivido?¿ Cómo és nunca haber vivido? How did it feel... as palavras me atravessavam, rebatiam nas paredes brancas até se perder no infinito. Sua mãe me abraçou e a capa do cd, uma caixinha que continha aquilo que eu acreditava ser meu maior tesouro, caiu de minhas mãos, o vidro trincou. Pude ver no chão, o trincado partia das costas da mão em várias direções, mas toda a superfície que cobria o mundo distorcido estava intacta. O médico estava errado, o mundo não acabou, mas agora não há mais sentido para estar nele.

Um comentário:

Raul Corrêa disse...

Meu deus, Yuri! De onde surgiu esse texto?

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