Leialti minimalista.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Kenji

Kenji saiu do Japão em 1905, ele tinha 15 anos quando deixou o seu país para imigrar para os Estados Unidos da América, onde trabalhou até conseguir respeito e uma loja. 40 anos depois, Kenji estaria pilotando um avião, derrubando bombas em cima de pessoas. Kenji não era um soldado. Kenji era apenas um homem. E as vítimas de suas bombas também não eram soldados, nem sequer eram americanos, eram homens japoneses. Homens que dormiam pela noite e acordavam pelo dia, como Kenji acordou um dia e se deparou com a notícia "Pearl Harbor bombardeada, os japas estão vindo", na primeira página, acompanhada de fotos de soldados estadunidenses morrendo. Seu mundo desabou, ele era apenas um homem com família e uma loja em Los Angeles, mas agora seria chamado de imigrante e seria levado junto com os outros japoneses para uma colônia. O governo deu a ele e aos outros japoneses apenas alguns dias para arrumar todas as suas coisas em duas malas, se não as tivessem, teriam direito a dois sacos de lixo para colocar toda a sua vida e se mudar junto com todos os outros japoneses malévolos para Manzanar. Kenji não mentiu para seus filhos, disse a eles que os EUA estavam procurando por espiões e que eles iam se mudar para Manzanar, junto dos outros japoneses. Em Manzanar, Kenji não mentiu tampouco, alertou a seus filhos que não encarassem os soldados e que não corressem, se os soldados achassem que eles estavam fugindo, poderiam ser baleados. Kenji não odiava os soldados, sabia que estavam apenas cumprindo seu trabalho. Entretanto, não deixava de ser desconfortável passar seus dias sendo vigiado por homens armados. Seus filhos, nascidos nos Estados Unidos, prisioneiros de guerra em seu próprio país. Kenji tinha esperança de sair de lá um dia, vivo, então não podia causar problemas. Surgiu uma oportunidade, aqueles que se juntassem ao exército estariam livres. Alguns homens se alistaram. Eles supostamente deixaram Manzanar em um vôo carregando duas bombas que acabaram com a guerra bem rápido. Duas cidades foram deixadas em pedaços. Kenji foi liberto, tinha esperanças de uma vida normal. Mulher, filhos e a sua loja. Quando voltou para casa, Kenji tinha as mãos pesadas, quando saíra carregava apenas a sua própria vida e a de sua família, agora carregava a vida de todos os homens que morreram pela sua liberdade. Que ele matara. Quando chegou em casa, o que Kenji viu o fez soltar aquelas duas malas, tendo o impacto de duas bombas atômicas em sua vida. As janelas estavam quebradas, toda a casa revirada e destruída, na parede, escrito em letras grosseiras de spray a seguinte frase: japas não são bem vindos.

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Hoho, esse texto foi inspirado, para não dizer copiado, de uma música de hip hop, só pro espanto global.

domingo, 19 de outubro de 2008

Herói

Eu não tenho o poder, ou o usaria agora... ou não sei controlá-lo, se fosse o caso, o usaria agora, para voltar até a pessoa que o tinha. Sim, o poder de voltar o tempo, assim, como em magia, como nos livros do Harry Potter que você lia aos 15 anos e achava que a vida seria muito mais fácil se pudéssemos enfiar uma dúzia de pessoas em um carro, sair voando e atropelar árvores ou se tivéssemos o relógio que dava as voltas tais que voltariam o tempo na mesma quantidade, em horas. Bem, era mais ou menos isso, tirando o fato de que o tempo não voltava de verdade, o que acontecia era algo mais como anular um instante do tempo e acontecia assim: um olhar, e não estava mais lá. Mas eu o arruinei, essa pessoa que tinha esse poder incrível de fazer desaparecer completamente todos os meus erros. Eu não pude suportar, quando todas as vezes em que eu cometia um deslize, me lançava o olhar. A princípio eu apenas me constragia e tratava de me recompor, lá se ia o meu erro para o nada, junto com ele a raiva, o ressentimento, a tristeza, iam todas se encontrar num lugar que não era. Não era um olhar de repreensão, era um olhar que apenas me indicava o erro. Era um olhar que não se fechava para nada. Em absoluto, nada. Não é que ele fosse perfeito, pelo contrário, cometia muitos erros, e eu nem sempre os tentava ou mesmo queria corrigir, fosse pelo motivo que fosse, o meu olhar era apenas o de decepção, o de reprovação, repreensão, não era do tipo que poderia consertar as coisas, apenas torná-las piores, mais visíveis, escandalosas, dramáticas, angustiantes, terríveis de suportar, causar vontade de não mais existir. E, de alguma forma, eu tive a incrível capacidade em tornar aquela capacidade dele de fazer com que um momento ruim desaparecesse completamente também se tornasse uma dessas coisas que dão vontade de não mais existir. De desistir. Quando aconteceu eu achava aquilo irritante, aquela mania de sempre me tornar melhor, o apoio firme no qual eu podia vacilar com a segurança de que nada desabaria sobre mim, mesmo que eu achasse que devia ou que eu bem merecia, mas aquela atitude irritante a qual eu não conseguia desempenhar, mas apenas o contrário, fez com que ele declinasse cada vez mais e, quando, enfim, desisti dele, ele desistiu de si. Hoje eu sei a definição daquele que nunca se faz de cego para não ver o errado, hoje eu sei que aquilo que arruinei pode-se chamar por herói e a mim a minha atitude, prefiro que chamem de covarde.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

(In)felizes para sempre.

No decorrer de nossas vidas conhecemos muitas pessoas, mas dessas poucas pessoas, só nós dispomos a conhecer, de fato, algumas poucas, por um motivo ou outro que pode ser qualquer motivo realmente, como escolher livros, ou você os lê por indicação, ou se aventura diante da perspectiva que lhe concebe a análise superficial, a capa, a sinopse, as orelhas, os olhos, o sorriso... E por conseqüência são essas as pessoas que vêm a te conhecer verdadeiramente. As pessoas que irão receber o seu afeto. O seu pior lado. As pessoas que irão saber das suas tristezas, pois alegrias dividimos com todos, e tristezas apenas com aqueles que acreditamos que não irão nos abandonar e fugir ao primeiro sinal de desconforto. Curiosamente, as pessoas que derramam as lágrimas sobre os seus capítulos mais sombrios são aquelas que lêem as suas páginas até o final, as pessoas cujas lágrimas não se manifestam, seja molhando nossas páginas ou rolando para dentro de seus próprios frascos, incapazes de se mostrar, mas não de existir, as pessoas que só estão interessadas da certeza de finais felizes, elas não merecem estar ao nosso lado. Merecem apenas aquelas que podemos fazer sofrer. E em um processo contínuo as fazemos sofrer mais e mais, talvez para saber se ainda merecem estar ao nosso lado, se são leais, testamos-nas. Por outro lado, conhecemos também os motivos de agrado, somos tão capazes de recompensar como de testar. O contentamento do leitor advém das lágrimas que sente ao ler um livro até o fim. E o que é pior, afinal? Ter as suas páginas frágeis das lágrimas dos leitores que te acompanharam ou nunca ter sido lido até o final?

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